Em janeiro deste ano, representantes de 140 países se reuniram em
Genebra, na Suíça, para aprovar o texto final de um tratado ambiental
que pretende restringir o uso e as emissões globais de mercúrio em
produtos e processos industriais que utilizam o metal pesado, nocivo
para a saúde e para o meio ambiente.
Até 2020, o acordo deverá banir a produção, exportação e importação
de certos tipos de lâmpadas fluorescentes, a maioria das baterias,
pilhas, cimento, cosméticos, além de termômetros e aparelhos para aferir
pressão arterial que utilizam a substância.
O documento, que estará aberto para assinaturas em um reunião no
Japão, em outubro, ficou conhecido como Convenção de Minamata, em
homenagem à cidade japonesa que sofreu com a contaminação de suas águas
por mercúrio na década de 20.
Mercúrio em vacinas para crianças
Apesar de considerado um avanço, o tratado deixou de fora um produto utilizado em larga escala: as vacinas para crianças.
Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, as doses de vacinas
infantis são conservadas com uma substância chamada timerosal, à base de
mercúrio.
"Nações ricas como países da Europa, Estados Unidos e Canadá, já não
usam mercúrio para preservar vacinas infantis", afirma José Dórea,
professor da UnB (Universidade de Brasília), que é uma das maiores
referências mundiais em pesquisas sobre o uso do metal pesado na área da
saúde.
O professor Dórea esclarece que o mercúrio pode ser particularmente
nocivo para o feto, recém-nascidos, crianças e mulheres grávidas.
"Esse grupo é mais vulnerável a qualquer substância, porque é um
estágio delicado de desenvolvimento do sistema nervoso central",
explica.
Estudos do próprio pesquisador sugerem que pequenas doses de mercúrio
em vacinas para crianças podem impactar no desenvolvimento motor e
intelectual a longo prazo.
"Não falamos de consequências debilitantes, como deixar de andar ou
dirigir um carro", ressalva. "Trata-se do desenvolvimento de
suscetibilidades para alterações do comportamento, de inteligência,
coisas que ao longo da vida trazem desvantagens."
O especialista afirma que não há riscos evidentes para adultos. "Para
esse grupo, a dose relacionada por peso, nesse momento, não apresenta
nenhum problema", explica.
Crianças pobres e ricas
O professor Dórea ressalva que, em casos emergenciais, não se pode prescindir do mercúrio como conservante para vacinas.
"O problema é o uso regular, sistemático e progressivo", diz. "Se
houver um surto, uma epidemia, e for necessário que a vacina seja
preservada com o timerosal, ninguém vai discordar", exemplifica.
José Dórea argumenta que a Convenção de Minamata evidenciou a diferença de tratamento entre crianças de países ricos e pobres.
"O que faltou nesse tratado foi uma cláusula que garantisse a
simetria entre as crianças do mundo", diz. "As crianças ricas podem
receber um tipo de vacina e as pobres podem receber outro, sem
problemas?"
"Somos a quinta economia do mundo, não temos problemas de dinheiro.
Devemos desejar para nossas crianças o que os países ricos desejam para
as delas", acrescenta o pesquisador.
Para Dórea, o debate deve ser levado às autoridades sanitárias
brasileiras. "Ninguém fala nisso, é como se não existisse", diz. "As
autoridades deveriam dizer para a população não se preocupar, se o
mercúrio não é um problema. Por outro lado, se não é um risco, por que
existe um tratado internacional?"
Valores diferentes
"O mundo todo já abandonou essa prática, mas o Brasil continua a
gastar dinheiro em vacinas baratas, que obviamente têm que vir em
embalagens múltiplas, que requerem preservativos", continua o professor.
José Dórea lembra que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) já proibiu o uso de merthiolate, outro produto a base de mercúrio, utilizado para tratar ferimentos externos, mas permitiu que a substância continuasse nas vacinas.
"O que parece é que não ligamos para o bem-estar dos nossos
compatriotas", observa. "Achamos que as coisas lá fora são melhores e,
realmente, são. Por que não imitamos o que eles têm de melhor?"
Fonte: Diário da Saúde
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